quinta-feira, 3 de novembro de 2011

O extraordinário Tião Santos

- Entrevista:
Sucena Shkrada Resk 
- Edição: Mônica Nunes
Planeta Sustentável - 30/05/2011



Depois de protagonizar o documentário “Lixo Extraordinário”, ao lado do artista plástico Vik Muniz, idealizador do projeto, e de seus colegas mais próximos, claro que a vida de Tião Santos, catador de material reciclável do Aterro Controlado do Jardim Gramacho, em Duque de Caxias/RJ, nunca mais foi a mesma. Ele encontrou no filme um aliado poderoso para a causa que abraçou quando assumiu a presidência da associação da comunidade: a de melhorar a qualidade de vida dos catadores. E tem feito boas conquistas.



      O Jardim Gramacho deverá ser desativado em 2012 e os governos municipal e estadual já anunciaram projetos para a formação de centros de referência em reciclagem, além de parcerias com a iniciativa privada para a capacitação dos catadores. O terreno foi, por décadas, um imenso lixão, considerado um dos maiores da América Latina. E foi justamente esse grupo de homens e mulheres, que sobrevivem das toneladas de resíduos lá jogados, que se tornou protagonista de um trabalho de recomposição da dignidade pela arte. E tudo aconteceu por conta da inquietação do artista plástico brasileiro Vik Muniz e de seu desejo de conhecer o local e produzir mais um trabalho espetacular, envolvendo a comunidade. 

     Seu documentário, Lixo Extraordinário (Waste Land, em inglês), lançado no ano passado e produzido entre 2007 e 2009 no Aterro Controlado de Gramacho - onde trabalham cerca de 2 mil pessoas, responsáveis pelo sustento de, pelo menos, três mil - retrata muito bem essa intenção, que transformou a vida de todos, mas especialmente de Tião Santos.

     Sebastião Carlos dos Santos, 32 anos, natural de Duque de Caxias, na Baixada Fluminense, nunca foi tão assediado como nos últimos meses - principalmente pela mídia. Ele é presidente daAssociação de Catadores de Material Reciclável de Jardim Gramacho e tem um jeito natural de líder que não só o colocou nessa posição, como também lhe garantiu um papel de destaque no filme que concorreu ao Oscar este ano. 

   Devido a sua atuação e a essa indicação, Tião ficou famoso. E usa sabiamente essa fama para ajudar a valorizar o trabalho dos catadores que, hoje, devem ser cerca de 800 mil pessoas, em todo Brasil, segundo o Movimento Nacional de Catadores de Materiais Recicláveis, do qual também faz parte. 


   Apesar de trabalhar há 11 anos no aterro do Jardim Gramacho, Tião conta que sua familiaridade com o ‘lixo’ vem desde os 11 anos de idade. Sua mãe, dona "Geruza", por 25 anos o sustentou e a seus sete irmãos, trabalhando no aterro, enquanto seu pai Carlos (falecido há três anos) foi estivador e sindicalista no Cais do Porto.

     Novos caminhos estão sendo abertos. Entre eles, está a oportunidade - e, ao mesmo tempo, o desafio - de coordenar a logística do movimento recém-lançado, o Limpa Brasil*, baseado na iniciativa internacional Let`s do It (leia reportagens sobre esse movimento no final desta entrevista) e de ser palestrante em eventos temáticos realizados pelo país. Nesta entrevista exclusiva ao Planeta Sustentável - concedida durante o IV Fórum de Comunicação e Sustentabilidade, em Belo Horizonte, do qual participou -, ele fala um pouco sobre sua trajetória e confessa que um dos seus sonhos é concluir os estudos (formou-se até o 2º ano do ensino médio) e ir mais longe: quer cursar a faculdade de Sociologia ou de Ciências Políticas. Alguém duvida que ele vai longe?

O que você conserva inalterado em seu aprendizado de vida, desde sua infância, até agora?
Sem ser demagogo, o que eu não mudei foi a honestidade, que continua inabalável e o compromisso que tenho com as pessoas. Desde pequeno estou neste trabalho, sou de uma família de catadores. E mesmo nos momentos em que não estive na atividade, sempre me solidarizei com a categoria. Eu me cobro muito. Mas se eu não for desse jeito, também não vou me sentir bem. Acredito que a gente deve ter responsabilidade e humildade, acima de tudo. Hoje, transito nos extremos, por isso, preciso saber qual é o meu papel, de onde eu sou, quem sou e para quem é que tenho de reverter tudo isso. Desde pequeno, comecei a ter noção disso tudo. Teve vezes em que pensei em abandonar tudo, mas o conceito ético me chamou de volta para esse caminho.


O que mais o marcou nessa trajetória, já que trabalhou diretamente em um lixão, onde as condições são as mais precárias?

Era um lixão mesmo, depois é que virou um aterro controlado. Vazava chorume, vivia pegando fogo, o gás não era canalizado e lá ainda moravam pessoas. Não me acostumo, até hoje, em ver crianças trabalhando em aterros clandestinos. Outra coisa que me incomoda muito é a questão da falta de acesso à habitação, à infraestrutura, ao saneamento básico e à educação. Mas eu sei que a gente vai mudar essa história. Meu sonho é pegar um trator, derrubar os barraquinhos e depois ver tudo construído dignamente. Ter uma casa traz uma noção maior de cidadania. Como é possível se sentir cidadão, se se vive junto e dentro do lixo? Não há dignidade na pobreza, que só é bonita para intelectual. 



Como você se sente como agente político, que representa hoje uma categoria tão importante no Brasil?

Quando participei de uma reunião ministerial, em que representei os catadores e se discutiu o que teria de ser regulamentado dentro da Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), eu dei uma respirada e pensei: "Nossa! Eu estou numa sala, no bastidor do poder governamental, decidindo sobre praticamente o futuro da vida de um milhão de pessoas!". Aí me veio à cabeça, como é que deputados e senadores têm responsabilidade para fazer o mais correto na votação de um projeto tão importante para o povo, como este e, às vezes, não estão nem aí pra isso (já que demorou praticamente 20 anos!). Senti o peso de minha responsabilidade e percebi que tinha de fazer o meu melhor e, mesmo assim, ainda teria falhas para trazer os anseios e as necessidades da categoria, para que todos sejam atendidos.

Antes de "Lixo Extraordinário", outro documentário foi feito em Gramacho, enfocando a vida de uma catadora, a Estamira, que deu nome ao filme. Você a conhece?

Eu conheço dona Estamira desde pequeno, mas só soube o nome verdadeiro dela quando o filme foi lançado. Sabe aquela coisa de criança e adolescente de implicar com os mais velhos? Como ela falava que não acreditava em Deus, a gente fazia brincadeiras e ela rebatia. Depois de adulto é que soube de sua história. Mas foi em Gramacho que ela foi aceita como é. 

E como você e seus amigos do aterro se tornaram os principais personagens de "Lixo Extraordinário"?

Justamente porque a ideia do documentário era também de mostrar que o aterro controlado tinha a história de muitas vidas. E veja como o universo conspira a nosso favor! Cinco anos antes, a gente queria fazer um documentário que contasse a história dos catadores. O de Estamira é bom, temos respeito, mas só conta a vida dela. Então, eu e meus amigos "Zumbi" e "Gordinho" pegamos uma câmera na mão e filmamos lá, de forma bem artesanal. Colocamos esse vídeo de cinco minutos no Youtube. Foi aí que Vik acessou o filme e soube de nossas condições. Foi aí que começou tudo. Com o trabalho dele, conseguimos contar o que a gente queria de nossa realidade.

E quais são suas expectativas para o futuro?

Que aconteça a inclusão dos catadores na implementação da coleta seletiva e da logística reversa, previstas na Política Nacional de Resíduos Sólidos. Assim, cada resíduo pode ter seu destino correto e o catador trabalhar de forma adequada, sem sofrer discriminação. Dentro de um lixão ou aterro controlado, a gente sofre todo o tipo de mazela de saúde, social, com risco constante de acidente e de ser mutilado ou morto. Meu amigo de infância "Zumbi" sofreu um dos piores acidentes que eu presenciei em minha vida. Graças a Deus ele sobreviveu! Uma corrente quebrada sobre uma tampa, amarrada por borracha, caiu, e ele foi arrastado. Quebrou vários ossos. Hoje, tem várias platinas no corpo e é uma pessoa importante no nosso grupo, responsável por nossa biblioteca. Chegou a encontrar aproximadamente 500 livros no lixo, que juntou para criar esse espaço, fora o que a gente recebeu de doação, após o documentário. 

Você foi convidado para participar do Limpa Brasil? Qual o seu papel nesse movimento?

É o de organizar e mobilizar as cooperativas, para que todo material potencialmente reciclável tenha esse fim. Para isso, deverá ser feito um mapeamento, por meio de um manifesto de resíduos que comprove que teve o destino correto. Meu segundo papel é ensinar como se faz coleta seletiva e separação de lixo, nos dias das coletas programadas, durante as mobilizações com a participação da sociedade. A primeira ação será no Rio de Janeiro, no próximo dia 5, do meio ambiente. 





Fonte: http://planetasustentavel.abril.com.br
acesso em 03/11/2011 às 03:36

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